Ondas de Identidade

Wave Crashing on a BeachMuitos dos expatriados que treino são engenheiros de alta tecnologia e gestores que trabalham no Vale do Silício. Eles estão imersos numa cultura organizacional de ritmo acelerado e rápida mudança, que é conhecida por acolher mais incertezas e riscos do que a maioria dos ambientes corporativos. Esta parte da Califórnia recebe expatriados de todo o mundo os quais muitas vezes têm sua auto-identidade desafiada. Programas de treinamento intercultural oferecem informação sobre choque cultural e orientam-lhes sobre essas potenciais mudanças.

Enquanto esses executivos são rápidos em aceitar mudanças no ambiente de trabalho, tenho notado que muitos não parecem lidar com o processo de mudança interior tão facilmente. E por que lidariam? Mudança interior muitas vezes significa sofrimento quando desafiamos velhos padrões! Além disso, não perceberiam mudança interior de forma distinta por serem de diversas origens culturais? Estas são perguntas justas. Este blog oferece material de reflexão sobre identidade, especificamente: Como você define identidade no contexto das relocações internacionais?

Primeiro, vamos ver a definição da palavra identidade. O dicionário American Heritage define identidade como: 1a. A condição de ser uma certa pessoa ou coisa. b. O conjunto de características pelas quais um indivíduo é reconhecido. c. A consciência de que um indivíduo ou grupo tem uma identidade distinta e constante. De acordo com essas definições, identidades socialmente e culturalmente construídas têm o seu lugar. Raça, etnia, classe social, gênero, idade, religião, localização geográfica, escolaridade, nível de experiência profissional e identidade funcional, todos qualificam como fatores de diferenciação. Eles são extremamente úteis em apontar elementos externos que compõem os aspectos da nossa identidade.

A definição a seguir oferece uma visão diferente sobre identidade chamada de “identidade essencial.”

A Identidade Essencial significa a identidade com Essência, a identidade com o Ser. Ela é o verdadeiro sentido de identidade. Quando sentimos e estamos sendo a Identidade Essencial, sentimos que estamos sendo verdadeiramente e autenticamente nós mesmos. Há um sentimento de identidade, um sentimento singular do “eu” que é definitivo, exclusivamente auto-existente. Você está lá, presente, como você, sem que o “você” esteja sendo definido por qualquer conceito construído. ~ A. H. Almaas

A citação acima me chamou a atenção e trouxe novos insights sobre identidade. O poder e a influência de construções sociais e culturais, tais como raça, etnia, classe social, gênero, idade e religião não podem ser negados. Qualquer relocação, seja ela internacional ou nacional, afeta a forma como percebemos a nós mesmos, aos outros e como somos vistos em relação a esses aspectos da identidade. Todos eles são fortes fatores quando falamos de identidade. A ideia de uma identidade essencial, porém, implica que por trás dessas construções sociais e culturais se encontra uma identidade “dormente” que tem pouco a ver com a cor da nossa pele, quantas línguas falamos ou quantos anos temos. De alguma forma, a identidade essencial parece-me mais real e profunda do que as outras, sem ignorar nenhuma delas.

Vamos aprofundar numa característica encontrada em muitos executivos globais: O desejo de manter a identidade enquanto residem em outro país. Alguns deles se esforçam para manter status social, preservar a identidade profissional, o conforto material, prestígio no trabalho e poder de compra. Estas são todas metas alcançáveis ​​e lógicas para se ter como aspiração. Ao mesmo tempo, investigação sobre as forças motrizes por trás desses objetivos revela muito sobre a personalidade. Você deseja manter um certo status, a fim de proteger uma imagem no passado? Qual parte de você está apegado a essa imagem? E se isso está acontecendo às custas do surgimento de um novo você? Ao observar de perto essas dinâmicas da personalidade, enquanto a mudança acontece, podemos minimizá-las sem ser tomados por elas. O processo nos ajuda a tornar-nos cada vez mais conscientes das forças da nossa personalidade, em vez de estarmos sujeitos às mesmas. Isso, por sua vez, nos ajuda a conectar com a nossa natureza mais profunda, o que o A. H. Almaas chama de identidade essencial.

Bem sabemos que nada é permanente, mudanças acontecem constantemente e assim a vida flui. A capacidade de aceitar o desconhecido, a fim de promover a inovação está alinhada com a cultura de negócios do Vale do Silício. Neste mesmo sentido, as identidades não são entidades fixas. Minha sensação é que os rótulos que recebemos da sociedade podem tomar vida própria e acabar obscurecendo a identidade essencial. A metáfora do iceberg é frequentemente usada para explicar cultura. Para fins deste blog, considere que o iceberg representa a identidade socialmente e culturalmente construída e a nossa identidade essencial o oceano. Pode ser que estejamos focando no iceberg sem prestar atenção no oceano.

O que fazer? Investigue o seu interior, observe os padrões da sua personalidade e permita que ela se transforme em seu próprio tempo.

Presente num corpo global

iStock_000005066220SmallTer um corpo físico não significa necessariamente viver plenamente nesse corpo. Nossas mentes e emoções, quando pouco treinadas, assumem o controle e isso é um custo elevado para expatriados querendo experimentar um novo país e cultura. Muitos dos meus clientes têm cargas horárias de trabalho intensas, o que deixa pouco espaço para a consciência corporal, autocuidado e relaxamento. Eles não encontram tempo para estar presentes com o mesmo veículo que os tem transportado ao redor do globo: o corpo físico.

Quantas partes do seu corpo você está sentindo agora? Uma, duas, mais do que isso? Você estava ciente de sua presença no momento em que começou a ler este blog ou  a pergunta foi um lembrete? Tente este experimento: leia o parágrafo seguinte focando também no seu braço direito. Então, leia o próximo parágrafo prestando atenção em ambos os braços. Inclua outra parte do corpo para terminar de ler o blog. Veja se isso cria alguma diferença em sua experiência.

Há muitas maneiras nas quais nossos corpos mudam devido a uma atribuição internacional. Eu vou discutir duas delas: alimentação e exercício físico. Uma das mudanças mais comuns é engajar-se em uma dieta diferente no novo país por escolha própria ou “obrigatoriamente,” dependendo do sistema alimentar no país/região. Escolher o que comer e beber é uma parte ativa da co-criação de seu corpo. Corpos são inteligentes e estão em constante comunicação. A maioria dos executivos parecem surpresos quando lhes digo que a mudança pela qual estão passando está acontecendo a nível celular. O combustível que você precisa para alto desempenho vem diretamente do que você come, então escolha com cuidado.

Outra consideração importante é a frequência com que os expatriados exercitam. Além da finalidade de fitness, o exercício físico nos coloca em contato com a nossa solidez, nossos músculos, flexibilidade e força física. Caso contrário, a mente é desenvolvida em detrimento do corpo ser desprezado. Sem intenção consciente, muitos de nós passamos o dia sendo transportados de um lado para o outro por um conjunto de ossos e carne. Esporadicamente, notamos partes do nosso corpo principalmente por razões funcionais.

Então, quais são as implicações práticas de uma boa nutrição e exercício físico para a sua rotina diária no escritório? As escolhas que você faz sobre a construção de seu corpo estão diretamente relacionadas com a sua participação em reuniões de negócios. Por exemplo, o nível de energia que você tem disponível no momento está diretamente relacionado a quantidade de açúcar consumida e a uma vida sedentária ou ativa.

Um corpo presente começa simplesmente com uma respiração mais profunda. Expansão e contração estão ambos acontecendo o tempo todo através da respiração. Além disso, ao praticar percebendo mais e mais as partes do corpo e as sensações, você se torna ciente de habitar uma forma física. Este planeta, os nossos países de origem e nossos corpos são todos lares temporários. Qualquer que seja a sua localização geográfica, dedique tempo para criar um ambiente saudável para seu corpo. Faça o melhor que puder e esteja certo de receber feedback do seu corpo e das pessoas ao seu redor.

Desenvolvimento interior para a competência intercultural

professional swimmer underwater after the jump in abyssPorque crescimento interior é importante para a sua atribuição internacional?

Imagine: Esta é a sua primeira semana de trabalho em uma nova função. É hora de conhecer o seu supervisor e colegas, que são de uma cultura diferente da sua. Você já fez sua lição de casa: diligentemente leu sobre o novo país, respondeu a uma avaliação cultural, participou de um programa intercultural, conversou com pessoas que vivem lá e baixou um aplicativo com dicas de negócios no seu smartphone.

Você começou a trabalhar com sua nova equipe e, apesar de demonstrar sensibilidade e entender que pessoas naquela cultura aceitam mais facilmente incertezas, você, pessoalmente, não se sente à vontade com ambiguidade. Seu desconforto com incertezas provoca pensamentos e sentimentos que impactam negativamente como você se expressa em reuniões. Você se sente confuso.

O que deu errado? Nada deu errado. Seu aprendizado, até este ponto, foi apenas parcial.

O seu treinamento intercultural, até agora, focou no desenvolvimento de competências. Isso é chamado de aprendizagem horizontal, que está fundamentada no que você já sabe e desenvolve habilidades técnicas. Neste caso, você desenvolveu conhecimento funcional (p. ex. aprendeu como funcionam os sistemas político e educacional no novo país) e as competências interculturais (p. ex. maior consciência sobre diferentes estilos de comunicação). O foco foi enriquecer o seu “kit de ferramentas interculturais”, a fim de tornar-se um executivo global mais eficaz.

O que você não considerou ainda é a aprendizagem vertical, ou aprendizagem que resulta na transformação da mentalidade. Aprendizagem vertical cria uma mudança sustentável na maneira como uma pessoa faz sentido do mundo (p. ex. aumentando seu nível de tolerância diante de incertezas). O foco é nas mudanças internas que desenvolvem complexidade mental e inteligência emocional. Isto, por sua vez, resulta em capacidade de liderança avançada.

Aprendizagem vertical é personalizada para cada indivíduo. Ela requer prática diária. Aborda as suas necessidades únicas de desenvolvimento. Você pode dizer que isso não é para executivos ocupados. Pense novamente. A fim de desenvolver empatia genuína e flexibilidade comportamental, diante de diferentes valores culturais, é preciso reconhecer e transformar estruturas profundas dentro de você. Apressar a aprendizagem não vai gerar resultados de longo-prazo. Sem se comprometer com o mergulho interior, você não vai descobrir o que está por trás dos comportamentos atuais. Pesquisa de ponta, publicada na Harvard Business Review, mostra que a aprendizagem vertical é uma necessidade para qualquer pessoa interessada em mudanças duradouras.

Relocação integral: O exterior e interior da mudança internacional

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Não importa quais são as suas motivações para aceitar um projeto internacional, no momento em que você concorda em transferir-se, você está assinando um contrato consigo mesmo e com seu potencial de desenvolvimento. Você inicia um caminho que vai desafiar pressupostos profundos, despertar sombras psicológicas, ampliar perspectivas e estremecer o chão para que mudanças aconteçam para você e para pessoas ao seu redor.

O que realmente influencia a sua relocação? Existem fatores visíveis e invisíveis. O que é visível aos olhos são todos os fatores externos que levam à excitação e o estresse da relocação. O que não se vê são estruturas individuais e coletivas profundas que desempenham um papel fundamental na criação do seu futuro. Você não gostaria de estar ciente destas estruturas dado o quanto elas vão influenciar a sua relocação internacional?

A maioria dos clientes com os quais trabalho chegam a sala de treinamento desconhecendo a conexão entre o que está acontecendo dentro de si mesmos e da vida que eles querem criar. Seu foco e energia permanecem, na maior parte do tempo, concentrados em desafios com a comunicação intercultural, os sintomas do choque cultural, a logística da relocação, as dicas do que fazer ou não fazer no novo país e muitos aspectos das diferenças culturais. Estas áreas são todas importantes. No entanto, raramente alguém discute o impacto de sua própria perspectiva e mundo interior em relação a transição. Por quê?

Programas interculturais tradicionais abordam principalmente as influências culturais, comportamentais e sistêmicas nas transferências internacionais. Uma quarta perspectiva é necessária de modo a incluir o domínio interior dos seres humanos. Aqui está um rápido olhar nas dimensões que influenciam a sua experiência intercultural:

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Os quadrantes: Adaptado de Ken Wilber

Cultural: cultura (p. ex. equipe, cultura organizacional ou social), visões de mundo compartilhadas (p. ex. filosóficas ou religiosas), mentalidades compartilhadas, valores compartilhados, ética, significado conjunto, comunicação (ou a falta dela), relacionamentos, diferenças de linguagem, simbolismo, etc.

Comportamental: o seu próprio ou o comportamento de outra pessoa, o desempenho, as ações, conhecimento técnico, competências, habilidades, saúde física, nível de energia física, etc.

Sistêmico: sistemas, estruturas e processos (p. ex. ambiental, social, econômico, financeiro, político, jurídico, tecnológico, técnico, educacional, informacional), bem como de ações compartilhadas. Isto inclui as áreas de estratégias, metas, métricas e políticas.

Psicológico: sua própria mentalidade ou a de outra pessoa, atitude, consciência, emoções, negação, crenças, compromissos, intenções, valores pessoais, grau de inteligência cognitiva, estilo de personalidade, o grau de inteligência emocional, etc.

Estes quatro aspectos da sua relocação devem ser levados em consideração para que você navegue com mais sucesso o território de um projeto internacional.

Além do olhar

photo-29Meu esposo e eu entramos em um táxi na Cidade do México e procuramos pelos  cintos de segurança. O taxista nos disse que eles não estavam disponíveis. Vivendo nos EUA, estamos extremamente autoconscientes sobre conduzir qualquer veículo e atender à nossa segurança e a dos passageiros. Começamos a procurar pelos cintos debaixo do assento.

O taxista ficou irritado:

– Se vocês danificarem o assento do carro, vão pagar por um novo!

Ficamos aliviados em encontrar os cintos antes de adicionar outra camada de estresse na situação, pedindo-lhe para parar o carro. No entanto, houve tensão no ar por alguns momentos.

Meu esposo quebrou o silêncio para falar sobre o seu medo de chegar em casa com uma lesão grave e encontrar sua filha. Esse breve momento de vulnerabilidade e conexão de coração a coração foi o suficiente para criar uma ponte na falha de comunicação. O motorista se acalmou. Ele também tem filhos.

O taxista nos contou a história, e os perigos enfrentados, quando cruzou ilegalmente a fronteira para os EUA anos atrás. Ele teve medo de se ferir gravemente e não ser capaz de retornar para seus filhos. Nossas experiências como pais nos aproximou. Ele falou sobre o trabalho duro nos EUA, o que o possibilitou comprar o táxi e construir uma nova vida com o dinheiro economizado. O táxi tornou-se mais do que um objeto. É um símbolo que representa o sofrimento vivido e o sucesso financeiro alcançado,  durante o tempo que viveu fora de seu país de origem. É a sua fonte de renda no México, o que lhe permite estar mais perto de sua família. O carro deve ser protegido contra danos a todo o custo!

“Eu sinto muito por ter exagerado,” ele disse. A conversa a partir desse ponto foi cheia de compreensão mútua.

Saímos do táxi gratos por ter acesso a uma perspectiva mais profunda sobre a situação. Apreciamos a oportunidade de nos colocar brevemente no lugar daquele homem. Teria sido muito fácil rotular rapidamente esse encontro e focar nas diferenças culturais entre mexicanos e norte-americanos.

Durante encontros interculturais é sempre bom se perguntar: Estes valores são pessoais? Estes valores são culturais? Esses valores são universais? Fazer isso é útil mas seja qual for a resposta, existe sempre a ponte humana entre você e a outra pessoa . Às vezes, só precisamos ficar o tempo suficiente com a situação, e passar pelo constrangimento, para encontrar pontos em comum. Então, mente e coração abertos os levará ainda mais longe no caminho intercultural.